quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Sobre os símbolos do natal

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O natal é a festa mais importante dos cristãos.

Sua simbologia reflete muito do que o cristianismo é. A forma como ele é celebrado revela o que somos e o que não somos como cristãos.

Há muita controvérsia sobre o que seja o verdadeiro cristianismo. Cada um dos milhares de grupos e seitas cristãos tem sua própria definição da fé, e as doutrinas e dogmas a eles relacionados. Sempre excludentes. Se a minha fé é a única certa, por exclusão as outras todas estão erradas. E as divisões do cristianismo tornam-se como brigas de vizinhos.

Se não há acordo sobre as definições da fé e cada um tem suas certezas, parece-me que uma coisa é certa: cristão deriva de Cristo. E Cristo foi uma pessoa sobre a qual se criaram todos os tipos de controvérsia exceto uma - ele viveu na Palestina há cerca de 2000 anos, era um judeu não ligado aos grupos religiosos dominantes e foi um pregador que teve muitos seguidores.

Justamente a esses seguidores é que se atribuiu a pecha de "cristãos". Pecha sim. Porque não era nada digno ser chamado assim naquele tempo. O Cristo era um homem mal-visto. Tinha sido crucificado como um criminoso pelos romanos, após ser incitado pelos saduceus por heresia.

A vergonha de ser seguidor de Cristo era tanta que Pedro, um dos discípulos mais próximos negou 3 vezes que o conhecesse.

Esse Cristo não tinha posses. Pregava o amor e a justiça. Ensinava coisas como auto-negação e sacrifício em prol do próximo. Dar a outra face. Servir ao invés de ser servido. Encontrar Deus nas coisas simples - nas flores, nos passarinhos, nas crianças e não nos templos. Adorar ao Senhor em espírito, e não em Jerusalém. Ter o coração voltado para Deus era mais importante do que guardar os preceitos da religião.

Bem, porque estou dizendo tudo isso?

Ser cristão deveria incluir minimamente o empenho em seguir este exemplo.

Mas não é assim.

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Um anjo anunciou a Maria que dela nasceria o salvador. Um bebê numa manjedoura. Reis e pastores vêm homenagear o filho de Davi. Uma estrela marca o local onde encontrá-lo. Um coro de anjos celebra o momento ímpar.

Os evangelhos foram escritos pelos seguidores de Jesus. Entre outras coisas, para provar que ele era o filho de Deus, que deveria ser adorado. Acredita-se que o mais antigo dos evangelhos seja o de Marcos, escrito por volta do ano 70 (depois das cartas de Paulo). O último deve ter sido o de João, escrito já no segundo século.

Nos séculos em que ser chamado cristão deixou de ser uma coisa pejorativa, escolheu-se uma data para celebrar o nascimento do agora considerado menino-deus. Nada melhor do que fazer a celebração no dia em que o culto mais popular do império romano - o mitraísmo - celebrava o nascimento de Mitra, o sol invicto. Já que todos os cultos pagãos seriam suprimidos e perseguidos para a implantação da agora religião oficial do império, melhor contemplar os costumes antigos do que tentar suprimi-los totalmente.

Assim como o menino ganhou presentes, damos presentes uns aos outros nesta data.

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Como pensar sobre esta incômoda figura do passado?

Era um profeta. Um homem que abalou as estruturas religiosas do judaísmo. Seus seguidores espalharam-se como epidemia pelas regiões urbanas do império romano. Praticavam uma fé radical que considerava todos iguais perante Deus: não havia diferença entre homem e mulher, judeu e gentio, escravo e livre.

Quando eram perseguidos e mortos, o sangue dos mártires se tornava a semente da fé. Os preciosos evangelhos que traziam a memória do Cristo passaram a ser guardados com as próprias vidas, e lidos em reuniões secretas em desertos, bosques e catacumbas - geralmente de madrugada.

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No século IV e V, isto se tornou passado. O império percebeu que o cristianismo não poderia ser visto mais como uma fé radical e uma ameaça. O abandono dos deuses tradicionais que haviam feito a glória de Roma já não era mais a causa principal da derrocada do outrora glorioso império ocidental.

A tradição da sucessão apostólica e a concomitante autoridade geográfica dos bispos num sistema hoje conhecido como "bispado monárquico" levou a atrair o império para a nova fé.

A cristianização do império, ou a romanização do cristianismo levou a uma sobrevida de mais 1000 anos às estruturas político-culturais do Mediterrâneo greco-romano. A fé cristã e a política romana sobreviveram aos afluxos de germanos (godos, vândalos, suevos, francos, lombardos) de nórdicos (vinkings ou normandos) e de eslavos (húngaros, búlgaros, russos). Todos foram seduzidos pela magnificência dos templos, das vestes sacerdotais, do mistério das liturgias em latim, das doutrinas mirabolantes nas quais era preciso crer sem entender.

O cristianismo tornou-se, até as reformas do século XVI, o esteio da ordem e da segurança político-militar da Europa.

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Depois disso ainda há lugar para o galileu?

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Temos a devoção pelo menino-deus natalino. Temos a mórbida devoção pascal pela paixão - morte e ressurreição (tão bem retratada no doentio filme de Mel Gibson). Temos o filho-de-deus ressurreto, que "mora em nosso coração", que nos salva de nossos pecados e da danação eterna.

E o exemplo da vida de Cristo. O que fazemos com ele?

Melhor não falar nisso. Pra que estragar uma festa tão bonita...

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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Como Saramago vê o Deus dos judeus - a propósito da questão de Gaza

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Saramago é comunista. Presume-se que seja ateu, como todo bom comunista. Escreveu um livro interessante sobre o homem Jesus Cristo, que li uns pedaços (está na fila para ser lido inteiro). O livro me chama a atenção por pretender uma versão da vida Cristo sem os milagres da narrativa dos evangelhos e sem os dogmas do cristianismo posterior ao terceiro século (coisas como a divindade de Cristo, seu nascimento virginal, sua morte vicária e sua ressurreição).

Agora há pouco o escritor desabafou em seu blog contra as arbitrariedades que o Estado de Israel impinge aos refugiados palestinos em Gaza, que já estão sem comida enquanto os caminhões de mantimentos da ONU são impedidos de entrar.

"Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente actualizado."

Está aí o Deus feito à imagem e semelhança do homem. Boa parte do que nós cristãos chamamos de Antigo Testamento descreve peripécias (nem sempre historicamente verídicas) de um povo com seus reis e exércitos. Protegido de um Deus que lhes dá vitórias militares e manda que pratiquem genocídio contra os infiéis.

Obviamente não é só isso que faz o Deus do Antigo Testamento. Mas isso certamente lhe mancha a reputação. A ponto de grupos cristão recusarem-se a aceitar o Antigo Testamento como parte do cânon. Esses marcionitas (porque seguidores de Márciom) foram devidamente silenciados para a posteridade.

E continuamos a propagar a idéia de um Deus que é "Senhor dos exércitos", pelo qual matamos e morremos. Sejamos judeus, católicos romanos ou protestantes. De Israel, ou dos Estados Unidos.

Saramago simplifica muito a questão, posto que no Estado judeu a opressão sobre os palestinos não é de matriz religiosa - aliás, ortodoxos sempre tiveram pouco peso político em Israel, e os socialistas secularistas são a base da tradição política do jovem Estado.

Poderia o Saramago também comentar algo a respeito do Deus dos muçulmanos e informar que não há inocentes no conflito. Radicais violentos estão dos dois lados, sempre derrotando quem se dispõe a conversar. Sejam ateus bondosos, como o escritor português, ou religiosos que depositam sua fé num Deus que é amor e justiça e que criou os homens iguais para viverem em paz.

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