terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O circuito italiano de Colombo

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Saímos para um passeio de família no último sábado.

Eu pretendia descobrir alguma coisa sobre o turismo rural em Colombo, próximo a Curitiba, mas não encontrava nenhuma informação na internet.

Na página de secretaria estadual de turismo aparece um link para uma página do
Circuito Italiano - o trajeto do turismo rural colombense, mas a página está inativa. Procurei ainda pela pousada Quintas de Bocaiúva, da qual fiquei sabendo pelo Guia 4 rodas de 2003. Mas não achava página na internet, e o telefone informado não funcionava.

Depois descobri que a pousada e seu restaurante fecharam há cerca de dois anos.

Decidimos arriscar um passeio de carro pela Rodovia da Uva para tentarmos descobrir alguma coisa. Paramos em uma ótima vinícola, a Franco Italiana, onde compramos um vinho doce pras mulheres e um Merlot produzido a partir de uvas plantadas em Bento Gonçalves (RS). O espumante também era muito bom. Se não me engano, a localização fica aqui (há uma pequena placa dizendo "vinícola" na entrada - uma rua de terra):


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Ali conseguimos um folder do circuito italiano, que inclui um mapa tipo croqui. E pegamos a diga de alguns lugares para almoçar.

Fomos olhar o restaurante Bosque Italiano, um pouco mais à frente, e resolvemos ficar por ali. Não nos arrependemos, a não ser pelo fato de ser um dia chuvoso. Por isso, as crianças não puderam aproveitar tão bem o espaço formidável da chácara onde fica o restaurante. A comida foi surpreendentemente boa. O chefe Mello (proprietário do restaurante) transformou a tal "comida rural" numa bela experiência gastronômica. Saladas variadas (alface com manga e morango, ervilhas frescas com bacon, tomate com cebola e orégano, entre outras), a melhor polenta que já comi, espaguete alho-e-óleo. E um frango assado que usei como desculpa para comer com o imperdível molho de pimenta (com calda de laranja, alho, loro e anis estrelado).



O restaurante fica aqui:


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Depois seguimos um pouco adiante, e visitamos o centro administrativo de Colombo, com um bom comércio, e uma belíssima igreja. Visitamos ainda uma chácara que vende morango orgânico. Passamos em um café colonial só para ver como era - depois daquele almoço não dava mais para comer tanto.

E voltamos para casa decididos a fazer o passeio de novo, para irmos nos lugares que não conseguimos conhecer desta vez...

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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Na senzala uma flor

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Já publiquei isso antes aqui no blog, mas como tinha sido em três partes sem os devidos links de ligação, acho que alguns leitores saíram prejudicados. Agora conserto a besteira.


SLENES, Robert. Na senzala uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava – Brasil. Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.


Eu li este livro como parte da minha preparação para o exame de seleção do mestrado em História da UFPR, em 2001. Àquela época o livro estava esgotado, ignoro se teve nova edição.

Trata-se de um livro já clássico, que originou uma série de debates na historiografia sobre a escravidão. O historiador Jacob Gorender, militante do partido comunista, foi o que mais se opôs à tese de Slenes, considerando que ela contribuía para “suavizar” a escravidão. Historiadores que pesquisam a escravidão se juntaram a Slenes e fizeram severas críticas a Gorender, pelo fato de ele nunca ter pesquisado diretamente com fontes em arquivos.

À parte as polêmicas que todas as novas interpretações costumam causar em relação a interpretações estabelecidas, trabalhos como o de Slenes têm servido para trazer uma nova concepção da cultura brasileira, especialmente no que toca à influência das classes populares, ainda considervelmente subdimensionada.

Faço aqui no blog uma resenha em três partes, seguindo o roteiro de estudo que fiz quando li o livro para a prova do mestrado:



A família escrava


Um viajante francês do século XIX afirma não ter visto nenhuma flor nas senzalas brasileiras, julgando por isso não haver esperanças nem recordações, e até mesmo negava a exsitência da família no meio dos escravos.

O título da obra de Slenes é a negação da afirmativa deste viajante. Através de sua pesquisa o autor comprova a existência da família escrava, formada por marido e mulher, com filhos morando com o casal, que possui sua própria casa e até uma atividade econômica independente (caça e pesca, criação de animais, cultivo de roça, trabalho assalariado nos dias de folga, artesanato), que lhe permite economizar para melhorar o padrão de vida e até comprar sua liberdade em alguns casos.

Slenes também compara as habitações dos escravos com as da África Central (origem da maioria deles, demonstrando as permanências culturais africanas na arquitetura das habitações e no hábito de ter sempre dentro delas um fogo aceso. Para o autor, é este fogo aceso a flor que o viajante europeu não foi capaz de enxergar nas senzalas.

Com este estudo, Slenes demonstrou que a escravidão no Brasil não pode ser vista apenas como um imposição dos senhores, mas construiu-se um sistema de relações negociado. Os escravos conquistaram um espaço familiar que, apesar de precário e instável, não foi irrelevante. Em meio aos sofrimentos da escravidão, os negros conseguiram formar famílias, nas quais cultivaram suas esperanças (refletidas na sua dedicação à economia doméstica) e recordações (a manutenção e adaptação de importantes traços culturais comuns às sociedades bantus da região do Congo e Angola).



Arquivos e fontes sobre a escravidão


Slenes trabalhou na sua pesquisa com fontes primárias e secundárias. As primárias foram as que ele usou para traçar os padrões demográficos dos escravos do Sudeste do Brasil no século XIX. São registros de casamento e batismo de escravos, inventários pós-morte de fazendeiros (que incluíam a relação de escravos – arrolados entre os “bens” do senhor), processos-crime, anúncios de fuga de escravos nos jornais. Com estas fontes, pesquisadas em Campinas, Sorocaba e Vassouras (RJ), ele deduz percentagens de africanos entre os escravos (haviam os trazidos da África e os nascidos aqui), de homens, de casados, taxas de mortalidade, expectativa de vida, etc.

Comparando os dados obtidos com os resultados de outros pesquisadores para outros municípios do sudeste no mesmo período, o autor faz generalizações possíveis para obter um padrão regional. Com isto ele comprovou a existência de uma família escrava, composta de pai, mãe e filhos.

Outro tipo de fonte primária são os relatos de viajantes europeus, recordações de fazendeiros e imagens literárias da época (romances). Dessas fontes o autor tira a visão branca sobre a escravidão. Comparando com os resultados dos estudos demográficos, Slenes demonstra o quanto esta visão branca é etnocêntrica, distorcida e pouco confiável (como aliás qualquer fonte histórica – que deve ser tratada com o devido treino e muitos cuidados). Uma análise mais profunda pode ler nas entrelinhas informações importantes sobre a cultura negra: padrão de construção das senzalas, alimentação, economia doméstica.

Comparando estas observações de viajantes com estudos etnológicos de sociedades centro-africanas (fontes secundárias), Slenes traçou um panorama da cultura escrava, demonstrando as permanências culturais na família cativa e suas estratégias de resistência.



A história dos vencidos


A partir da década de 1970 houve uma explosão de estudos de historiadores dedicados à vida e à cultura das classes subalternas, dos trabalhadores pobres: operários no caso europeu e escravos no caso do continente americano. Estes trabalhadores foram sempre a classe inferiorizada na estrutura social, e não conseguiram sequer perpetuar sua memória pela produção de documentos escritos. Por causa disso, eles foram quase sempre classes “invisíveis” para o historiador.

O que mudou este estado de “cegueira” em relação às classes trabalhadoras, e causou a explosão de estudos sobre história operária e história da escravidão, foi o trabalho seminal do historiador inglês E. P. Thompson. Em meados da década de 1960 ele publicou sua Formação da classe operária inglesa, em 3 volumes. Escreverei sobre esta obra em outro post, mas devo dizer aqui que foi Thompson começou uma nova metodologia, qual seja ler a história dos vencidos nos documentos produzidos pelos vencedores.

Foi isso que fez Slenes, seguindo a tradição metodológica inaugurada por Thompson no estudo dos operários ingleses do início do século XIX.. Ler processos criminais onde os escravos depõem como réus, inventários de fazendeiros onde eles aparecem como mercadorias, documentos de batismo e casamento onde eles aparecem por acaso, e relatos de viajantes onde os escravos despertam sentimentos mistos de compaixão e desprezo, lançados de um olhar que se julga culturalmente superior. Ler nestes documentos a visão do escravo, que não está ali, precisa ser descoberta nas entrelinhas. Tudo isso para compensar a completa ausência de documentos ou memórias produzidos pelos próprios escravos.

O estudo de Slenes, bem como os trabalhos de outros historiadores que seguiram esta mesma tradição historiográfica, levou a uma mudança de paradigma. Os trabalhadores pobres (ou os escravos) deixaram de ser vistos como seres passivos, e passaram a ser vistos como agentes históricos importantes, com uma cultura própria, que se chocaram e interagiram com outros agentes e com a cultura dominante.

Além desta corrente thompsoniana de estudo das classes trabalhadoras, o estudo de Slenes também segue uma outra tradição historiográfica originada na Nova História praticada pelos franceses: a demografia histórica. Trata-se da reconstituição de padrões populacionais, organização das famílias, estratégias reprodutivas, espectativa de vida. Esta é uma abordagem quantitativa, obtida através da chamada história serial – aquela que se faz pela coleta de dados de mesmo padrão, num mesmo arquivo, de uma mesma localidade, para diferentes datas. Este tipo de estudo permite traçar a evolução da população local por um determinado período de tempo. (Não é à toa que esta abordagem surgiu na França – lá existem séries de documentos eclesiásticos sobre nascimentos, batismos e sepultamentos com séries confiáveis que remontam ao século XII!)

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sábado, 3 de janeiro de 2009

Consumismo

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Está muito boa a edição de dezembro do Le monde diplomatique Brasil, com uma série sobre consumismo.


"E de pouco adiantarão leis que coíbam a publicidade dirigida ao público infantil, se os próprios adultos, entregues ao consumismo e à cultura da vaidade, forem às compras, motivados e seduzidos pela imagem que seus filhos, destinatários dos presentes natalinos, terão diante de outras crianças." (Yves de La Taille, "Consumismo infantil", p. 4)

O autor desta frase é professor de psicologia da USP, e seu texto partiu do fato de que hoje se discutem formas de regular em lei a publicidade voltada ao público infantil. As crianças são psicologicamente vulneráveis ao apelo da publicidade e à figura dos heróis ou personagens prediletos. Mas, no fundo, o que leva aos absurdos do consumismo infantil é mesmo a falta de maturidade dos adultos para lidar com o tema. Estamos dispostos a enfrentar essa questão?


"Aquele cara embaixo da ponte não sou eu. Aquele pedindo esmola também não. Aquela senhora desempregada muito menos. Eu não. Eu tenho a oportunidade, se puder comprar um caminhão passo por cima da Pick-up, se puder comprar uma Pick-up passo por cima do Palio, se puder comprar o Palio passo por cima da moto, se puder... Mas ainda não posso." (Ferréz, "Sobre pássaros e lobos", p. 5)

Este segundo texto foi escrito por um autor que conhece bem a periferia onde vive e de onde escreve. Mostra como a lógica do consumo mantém girando uma engrenagem que, ao fim de tudo, termina moendo os próprios consumidores, especialmente os pobres. Depois de constatações deprimentes sobre como as pessoas viciam no consumo e compram esta ideologia que os massacra, Ferréz conta uma linda parábola - um ninho de passarinho encontrado no fundo do quintal o faz pensar: "isso eu não comprei, isso eu não paguei, nem parcelei, muito menos achei num shopping, nem tive que roubar, isso veio de graça, e acho que isso que é a vida."


"A febre de comprar nos faz pensar, como sugeriu Lipovetsky, que "ela seja uma compensação, uma maneira de consolar-se das desventuras da existência, de preencher a vacuidade do presente e do futuro". O frenesi das compras então funciona para nossa longa solidão egóica como "simulacro de aventura", o fantasma da obra, pequena loucura cotidiana, a prótese do prazer." (Gustavo Barcellos, "A alma do consumo", p. 6-7)

O autor deste texto é psicólogo e escreveu um livro sobre Jung. Explica os mecanismos psicológicos arrasadores que esta lógica do consumo está operando. Mostra claramente que o consumismo é uma patologia severa. Que se desdobra em sintomas tão comuns como: "depressão, paranóia, compulsão, baixa auto-estima, competitividade extremada, pânico, suicídio, solidão, medo, estresse, sintomas psicossomáticos, hiperatividade, hipercosumismo. Vulnerabilidade psicológica, desetabilização emocional."

Tudo passou a ser consumo. O prazer, o lazer, as relações humanas. As necessidades básicas. Aliás, quem consegue saber hoje o que é necessidade e o que é supérfluo? Vivemos no mundo do supérfluo onde, no limite, somos nós mesmos supérfluos.


Alguém aí está disposto a tentar parar esta engrenagem?


Tudo isso me faz lembrar do que o Tuco escreveu sobre o vento.

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sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Por um novo Estado na Palestina

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Em 1948, foi criado na Palestina o Estado de Israel. Foi uma reação do movimento sionista às brutais perseguições sofridas por judeus na Europa cristã. As perseguições perduraram por todo o período da cristandade, e seguiram com toda a força após as Reformas religiosas do século XVI.

Uma nova situação gerou a possibilidade de um estado judeu, a acolher exilados europeus em massa na terra dos seus ancestrais. Colocava fim a uma tradição que vem desde o século V a.C., com um pequeno interlúdio hasmoneu no século III a.C. - os judeus foram os únicos a conseguir manter coesa uma pátria sem território e sem Estado, isso por cerca de 2300 anos, desde o exílio à Babilônia de Nabucodonosor até a criação do Estado moderno de Israel em 1948.

O novo Estado foi apoiado pelo Ocidente, talvez para aplacar a consciência depois do holocausto nazista. Foi possível por que as potências ocidentais já tinham colocado fim ao domínio do império Otomano na região, desde a chamada "1ª guerra mundial". O Estado judeu seguiu-se à partilha franco-britânica da Palestina, e foi uma forma de garantir os interesses ocidentais numa região rica em petróleo. Afinal, os migrantes que construíram o novo Estado eram, em última instância, europeus - os Askenazim de pele clara não desalojaram apenas os palestinos, mas desalojaram também (politicamente) os Sefardim de pele morena que viveram em equilíbrio na região por milênios.

A história deste jovem Estado foi sempre de guerras com vizinhos. Diversas nações classificadas como "árabes" e confundidas com o islã - mesmo apesar de toda a vizinhança ser multi-cultural, multi-étnica e multi-religiosa, incluindo significativa presença de cristãos do antigo ramo monofisista (grupos de cristãos orientais que não se submeteram ao controle político de Roma ou de Constantinopla, traduzido no dogma da natureza divino-humana de Cristo).

Foi comum ouvir falar no objetivo político do "fim do Estado judeu", propagandeado no Ocidente de forma mentirosa como uma apologia à eliminação física de Israel. O fim do Estado judeu é a proposta de uma partilha da região num estado onde os Palestinos tenham representação política paritária. É a única proposta politicamente decente, mas fere interesses financeiros muito poderosos, não apenas na região, mas em todo capitalismo mundial.

O Ocidente segue mantendo o Oriente Médio como um grande "aterro sanitário" humano, a garantir o conforto do "bem-estar social" do Atlântico Norte.

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A única solução aceitável é um único Estado, para israelenses-palestinenses, no qual os crimes do sionismo possam afinal ser reparados. Não há outra possibilidade. Só essa."
(Tareq ali no Guardian, via Carta Maior)

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