sexta-feira, 30 de maio de 2008

UNASUL

Esta semana foi criada, por decisão conjunta de chefes de Estado dos países sul-americanos, em reunião realizada no Brasil, a União das Nações Sul-americanas. Esta decisão tem uma importância estratégica difícil de medir, reflete mudanças recentes da geopolítica regional, e pode significar o começo de um importante processo para os países do sub-continente.

A América do Sul é, desde o século XVI, um quintal de pontências colonialistas. Portugal e Espanha, ligeira presença francesa, inglesa e holandesa na região amazônica das Guianas, e esporádicas invasões de franceses e holandeses nos territórios portugueses. Com as independências no início do século XIX, que foram parte de um processo maior de crise do Antigo Regime na Europa, precipitado pela dupla revolução (Revolução Industrial e Revolução Francesa - usando uma análise de Eric Hobsbawn em A era das revoluções), as novas nações sul-americanas saíram do âmbito colonial direto. Da sujeição total às metrópoles espanhola e portuguesa, passou a uma sujeição velada às duas novas grandes potências européias (não por acaso os países que lideraram a dupla revolução) - Inglaterra e França. A Inglaterra apoiou as independências nacionais e o fim do tráfico de escravos. Beneficiou-se do fim das restrições comerciais que davam exclusividade ao comércio com as metrópoles ibéricas e fez grandes investimentos na região. A França tornou-se o modelo cultural por excelência, ditando a moda para os conservatórios de música, os movimentos literários, as academias de Belas Artes, os colégios para moças, as reformas urbanísticas (que criaram várias "Paris" no continente - Buenos Aires, Santiago, Motevidéu, Rio de Janeiro).

Até a década de 1920 os países sul-americanos continuaram na órbita dos interesses de França e Inglaterra, com alguma influência também da Itália (país que forneceu grandes fluxos humanos, especialmente para Brasil, Argentina e Uruguai, bem como ditou o gosto musical através do predomínio da ópera). Mas as nações que dominaram o século XIX europeu e mundial começaram a sofrer a concorrência forte de duas novas potências: Alemanha e Estados Unidos. Ambos os países já eram as mais poderosas economias industriais por volta de 1870, mas ainda não tinham nenhuma influência geo-política de alcance maior. A entrada da Alemanha na disputa pelos domínios coloniais europeus na África e na Ásia foi um dos fatores causadores da grande guerra de 1914-1945 (novamente usando uma idéia de Eric Hobsbawn em A era dos extremos. O breve século XX - livro no qual o autor propõe a idéia de que não existiram duas guerras separadas por um período de paz, mas um período de guerra mais ou menos constante com concentração de conflitos no início e no fim).

A outra potência, os Estados Unidos, não tinha qualquer condição de entrar em disputa pela hegemonia no continente europeu. Tratou então de tentam disputar com os europeus a hegemonia no continente americano. A princípio, a própria constituição territorial norte-americana foi um processo de disputa com espanhóis e franceses, desde o fim do século XVIII. No século XIX os EUA trataram de garantir sua hegemonia sobre os países da América Central, aonde as grandes companhias monopolistas norte-americanas foram ostensivamente apoiadas pelas tropas do país, gerando o fenômeno apelidado de "repúblicas de banana", numa alusão ao poder da International Fruit Company, que fazia e desfazia governos na região conforme seus interesses e usando sempre o apoio militar norte-americano.

A partir da crise de 1929, houve nos EUA uma política intesiva de indução ao desenvolvimento, posta em prática pelo governo de F. D. Roosevelt. Entre outras medidas, foi criado um programa que recebeu bilhões de dólares do governo federal (numa época em que bilhões valiam talvez o que valem hoje os trilhões), chamado WPA - sigla para um programa de incentivo ao emprego. Isso foi necessário no momento em que a maior cirse do capitalismo deixou milhões de desempregados, de falidos e de miseráveis. Outra parte do programa para ressucitar a economia norte-americana incluiu um programa pesado para estimular a presença cultural e econômica na América do Sul. Foi chamado de OCIAA (Office of the Coordinator for Inter American Affairs), e foi o início do que ficou conhecido como "política da boa vizinhança". A ação deste organismo foi bem estudada por Antônio Pedro Tota em seu livro Imperialismo sedutor.

Em 1939, com o início oficial da Guerra na Europa, os EUA passaram a se preocupar com a grande influência que os nazistas tinham na América do Sul, especialmente os significativos enclaves alemães no sul do Brasil e na Argentina, bem como uma política muito bem organizada de cooperação com governos e difusão cultural, que deixava os americanos em desvantagem. Para combater esta influência alemã, os EUA lançaram um programa ainda mais ambicioso - a União Panamericana. Apesar do nome indicar um organismo multi-lateral, que envolveu efetivamente a participação dos vários países do continente, a liderança era exercida indubitavelmente pelos norte-americanos, que inclusive eram os principais mantenedores de todos os programas da Instituição. Em 1947, com o início da Guerra Fria os interesses geo-políticos norte americanos deixaram de se concentrar na América, pois passaram a disputar a hegemonia em todos os continentes. A União Panamericana transformou-se em Organização dos Estados Americanos - OEA. Através da OEA os Estados Unidos continuaram a exercer sua total hegemonia no continente, onde agora não tinham mais a concorrência das potências européias destruídas pela guerra. Na década de 1960 o continente voltou a atrair a atenção dos EUA por causa da revolução cubana. O medo de que várias Sierra Maestra pipocassem pelo continente levou à Aliança para o Progresso e ao apoio às sanguinárias ditaduras impostas por golpes militares em toda a América Latina. As revoluções socialistas tinahm que ser evitadas a qualquer custo, e os custos foram bem altos como já sabemos.

Acontece que na década atual, os jovens sonhadores dos anos 1960, esquerdistas porra-loucas que sobreviveram às torturas e assassinatos políticos das ditaduras do continente, são presidentes das repúblicas, ministros de Estado, etc. Essa onda vermelha vem ganhando todas as eleições na América do Sul após o total fracasso das políticas neo-liberais da década de 1990. E esses novos governos Sul-americanos decidiram tomar medidas efetivas para que a região deixe de ser o quintal dos Estados Unidos. para isso tiveram que resolver ridículas picuinhas regionais. Brasil e Argentina, as maiores potências da região ciraram uma solução definitiva para sua rivalidade militar e uniram-se no Mercosul (que anda aos trancos e barrancos mas cumpre um papel importantíssimo para ambos os países). Depois foi preciso vencer a resistência da Colômbia, o único país da região que ainda mantinha fortes interesses em continuar sob a órbita norte-americana, intoxicado pelos bilhões de dólares recebidos para estúpidos programas anti-drogas (na verdade programas anti-guerrilha de esquerda pois os cartéis de drogas continuam mandando nos grupos para-militares e no governo colombiano como sempre).

Para encurtar a história, UNASUL significa o fim da hegemonia norte-americana exercida pela OEA. Isto ficou claro quando os países da região sentaram à mesa para uma solução negociada da crise gerada pela invasão do território equatoriano por tropas colombianas no episódio em que um lider das FARC foi morto. É paradigmático que, pela primeira vez, os EUA não foram nem convidados para a conversa. Resolvemos tudo por aqui mesmo.

Hoje, os estrategistas norte-americanos reconhecem que não se pode mais pensar na geo-política para a América do Sul sem levar em conta a liderança do Brasil. E o Brasil precisa ter a coragem de fazer o que os EUA não fizeram no período em que lideraram a região. Ouvir e respeitar os vizinhos e, principalmente, beneficiar-se com um corajoso programa de desenvolvimento econômico e social que somente a liderança do Brasil pode implantar na região.

É isso que significa esta sigla UNASUL

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